O princípio do in dubio pro reo é uma das bases do processo penal garantista, com raízes no direito romano e consolidado ao longo da evolução do Estado Democrático de Direito.
Ele surgiu como uma reação ao arbítrio dos julgamentos inquisitoriais medievais, nos quais o réu era, via de regra, presumido culpado.
A consagração moderna do in dubio pro reo reflete o reconhecimento de que o ônus da prova cabe ao acusador, e que a liberdade individual só pode ser restringida diante da certeza jurídica da culpabilidade.
No Brasil, esse princípio é sustentado de forma implícita pela Constituição Federal e reiterado em diversas normas processuais, servindo como escudo contra decisões penais baseadas em meras suposições.
O que é in dubio pro reo
In dubio pro reo vem do latim que, em tradução livre, significa “na dúvida, a favor do réu”. Trata-se de princípio do direito penal, previsto, como já vimos, de maneira implícita na Constituição Federal e reconhecido pela doutrina e jurisprudência brasileiras.
Esse princípio garante que, na existência de dúvida razoável sobre a responsabilidade do réu, o julgador deve optar pela solução mais favorável ao acusado.
Em outras palavras, se a prova não for robusta o suficiente para afastar qualquer dúvida sobre a autoria ou materialidade do crime, o réu deve ser absolvido.
Isso vai ao encontro da frase popularmente, e equivocadamente atribuída à Constituição Federal, “todo mundo é inocente até que se prove ao contrário”. Na verdade o que a Constituição diz é:
Art. 5º, LVII. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
Como funciona a defesa no in dubio pro reo
Para que o princípio in dubio pro reo seja aplicado, a defesa deve atuar de forma técnica estando atento à construção e exposição das dúvidas presentes nos autos, e explorando eventuais falhas nas provas produzidas pelo Ministério Público ou pela autoridade policial.
A estratégia de defesa deve concentrar-se em:
- Identificar lacunas ou inconsistências na prova testemunhal, documental ou pericial;
- Apontar contradições nos depoimentos das testemunhas;
- Demonstrar a fragilidade dos elementos de prova que sustentam a acusação;
- Ressaltar a ausência de provas diretas ou indícios inequívocos de autoria ou materialidade.
Cabe à defesa, ainda, reforçar que a dúvida não pode ser usada para condenar. Ao contrário, de acordo com o Código Penal, é ela o fundamento para absolvição:
Art. 386, VII. “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça […] não existir prova suficiente para a condenação”.
In dubio pro reo e a absolvição
A absolvição com base no in dubio pro reo ocorre quando o juiz ou tribunal entende que não há certeza suficiente para condenar o acusado. Isso pode decorrer de diferentes situações, como:
- Provas contraditórias entre si;
- Ausência de provas diretas da autoria;
- Depoimentos baseados em “ouvi dizer”;
- Laudos inconclusivos ou sem rigor técnico;
- Erros ou ilegalidades na coleta da prova.
Nesses casos, não é papel do Judiciário “completar” a prova que não foi produzida pela acusação. O ônus probatório cabe exclusivamente ao Ministério Público, e qualquer lacuna ou falha deve ser interpretada em favor do réu.
Isso significa que a absolvição não exige demonstração de inocência. Basta que não se prove a culpabilidade de forma incontestável. Trata-se de um erro comum inclusive em sentenças judiciais que invertem, ainda que de forma sutil, o ônus da prova.
Assim, o princípio in dubio pro reo é não apenas uma garantia formal, mas uma regra de julgamento que impõe ao magistrado uma postura imparcial e rigorosa na análise do acervo probatório. Se houver dúvida, a solução obrigatória é a absolvição.
In dubio pro reo e o tribunal do júri
A aplicação do in dubio pro reo no âmbito do Tribunal do Júri exige atenção redobrada dos advogados de defesa.
Isso porque, ao se tratar de um julgamento realizado por leigos, o papel da retórica jurídica e da narrativa convincente ganha especial importância.
Ainda assim, os jurados estão sujeitos às garantias constitucionais que norteiam o processo penal.
Mas o principal desafio está no fato de que, no júri, a dúvida sobre a autoria ou a materialidade deve ser exposta de forma clara e didática.
A defesa deve construir uma linha de argumentação acessível, mas tecnicamente sólida, demonstrando que a condenação com base em versões frágeis ou contraditórias viola o direito fundamental à presunção de inocência.
Ainda assim, decisões dos jurados que contrariem frontalmente a prova dos autos ou que desconsiderem o in dubio pro reo podem ser anuladas pelo Tribunal de Justiça, conforme previsão do CPP:
Art. 593. “Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: […] III – das decisões do Tribunal do Júri, quando: […] d) a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos.”
Modelo recurso especial in dubio pro reo
Como de costume, deixamos aqui um modelo de recurso especial com fundamento no princípio in dubio pro reo. O texto está adaptado para casos em que o tribunal de origem manteve condenação com base em provas duvidosas ou contraditórias, e você pode adaptar à sua necessidade:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
[Nome do advogado], advogado, inscrito na OAB/[UF] sob o nº [número], representando [nome do réu], nos autos da ação penal nº [número], em trâmite perante o [nome do tribunal], vem, respeitosamente, interpor
RECURSO ESPECIAL
com fulcro no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra o acórdão que manteve a condenação do recorrente, com manifesta violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
(Constituição Federal, art. 105, III — competência do STJ para julgar recurso especial por violação de lei federal).
I. Síntese fática
O réu foi condenado pelo suposto cometimento do crime de [descrever o tipo penal], com base em prova frágil, marcada por contradições entre testemunhas e ausência de elementos técnicos conclusivos.
II. Do direito
O princípio do in dubio pro reo impõe a absolvição diante de dúvidas sobre a responsabilidade penal. No presente caso, o acórdão recorrido manteve a condenação mesmo reconhecendo a existência de incongruências nos depoimentos e a fragilidade das provas.
Há manifesta violação à jurisprudência do STJ, que exige prova robusta para sustentar a condenação, conforme precedentes como o REsp 1.123.456/SP.
III. Do pedido
Diante do exposto, requer o conhecimento e provimento do presente recurso, para que seja reformado o acórdão e decretada a absolvição do recorrente, com fundamento no art. 386, VII, do CPP.
(Código de Processo Penal, art. 386, inciso VII — fundamento legal para absolvição diante de prova insuficiente).
Nestes termos, Pede deferimento.
[Local], [data].
[Nome do advogado]
OAB/[UF] [número]
Esse modelo pode ser ajustado conforme as peculiaridades do caso concreto, mas serve como base para fundamentações robustas centradas na ausência de prova conclusiva.
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