A litigância de má‑fé tem raízes no direito romano, onde se buscava coibir abusos de processo por meio do instituto do actio utilis, que permitia o magistrado punir comportamentos abusivos.
E foi na Idade Média (e também no Direito Canônico) que se acentuou a ideia de boa‑fé, o que exigia lealdade e transparência das partes, sob pena de sanções eclesiásticas e civis.
No Brasil, o Código de Processo Civil de 1973 trouxe disposições específicas contra a conduta desleal, mas sem detalhamento das hipóteses.
Só com o Novo CPC de 2015 que se incorporou a boa‑fé objetiva como “princípio basilar” e detalhando as condutas caracterizadoras da má‑fé e suas respectivas penalidades.
O que é litigância de má-fé
A litigância de má-fé consiste na atuação desleal, maliciosa ou desonesta de uma das partes durante o processo judicial.
Trata-se de comportamento contrário ao dever de lealdade processual, previsto no Art. 77 do CPC:
Art. 77. “Além dos deveres previstos em outros dispositivos deste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensões cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, de que não caiba recurso, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e V, o juiz advertirá o responsável para que cumpra a decisão ou se abstenha de criar embaraços à sua efetivação.
§ 2º O juiz aplicará multa de até vinte por cento do valor da causa à parte que descumprir o disposto nos incisos IV e V, podendo determinar, ainda, a perda do objeto, se for o caso, além de responder por perdas e danos.
§ 3º Não sendo paga no prazo estabelecido pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado.”
Já o Art. 80 do CPC enumera as condutas que caracterizam o litigante de má-fé:
Art. 80. “Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduz pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – altera a verdade dos fatos;
III – usa do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opõe resistência injustificada ao andamento do processo;
V – procede de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provoca incidentes manifestamente infundados;
VII – interpõe recurso com intuito manifestamente protelatório;
VIII – pratica qualquer outro meio abusivo de utilização do processo.”
A má-fé pode se manifestar em atos como mentir nas alegações, ocultar provas, tumultuar o processo ou interpor recursos apenas para atrasar o trâmite.
É importante destacar que a má-fé pode ser atribuída tanto à parte quanto ao seu procurador. O advogado, apesar da imunidade profissional, não está imune a sanções se agir dolosamente em prejuízo da boa-fé processual.
Multa por litigância de má-fé
O art. 81 do CPC prevê expressamente a penalidade ao litigante de má-fé:
Art. 81. “De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa de até dez por cento sobre o valor corrigido da causa e a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu, além dos honorários advocatícios e de todas as despesas que efetuou.
§ 1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em montante compatível com a gravidade da conduta.”
Além de multa, pode haver condenação em perdas e danos, e também em honorários advocatícios a favor da parte contrária.
Ela não é automática e pode ser requerida pela parte interessada ou aplicada de ofício pelo juiz, desde que motivadamente.
Porém, para aplicação da multa, é imprescindível que haja clara demonstração do comportamento reprovável e dolo na conduta da parte ou de seu advogado.
Isso serve tanto como forma de desestímulo à conduta desleal quanto como compensação à parte prejudicada.
Como calcular multa por litigância de má-fé
O cálculo da multa por litigância de má-fé, conforme o Art. 81 do CPC, toma como base o valor corrigido da causa. Ela pode ser fixada entre 1% e 10%, a depender da gravidade da conduta.
Esse percentual é arbitrado pelo juiz, considerando a extensão do prejuízo e a reiteração da conduta.
Por exemplo, em uma causa cujo valor atualizado é de R$ 200 mil, uma multa de 5% corresponderá a R$ 10 mil. Valor que será revertido em favor da parte contrária, como forma de compensação.
Na prática, é comum que os juízes apliquem percentuais moderados, como 1% a 3%, salvo em situações de manifesta malícia processual.
Além da multa, podem ser fixados valores a título de perdas e danos, o que inclui despesas processuais, custas adicionais e honorários advocatícios extraordinários.
E quando o valor da causa for simbólico ou irrisório, o juiz pode arbitrar valor fixo, com a finalidade de preservar a eficácia punitiva da multa.
Petição de litigância de má-fé com o Novo CPC
Quando identificada a prática de litigância de má-fé, a parte prejudicada pode requerer a aplicação da penalidade por meio de petição específica.
Essa petição deve ser objetiva, fundamentada e acompanhada de provas inequívocas da má conduta processual.
Para sua confecção, é recomendável que a parte lesada mencione:
- O artigo do CPC violado (em especial o art. 80);
- A conduta praticada, com destaque para a intenção maliciosa;
- Os prejuízos sofridos;
- O pedido de aplicação da multa e eventual indenização por perdas e danos.
A petição pode ser apresentada em momento oportuno durante o processo, inclusive em contrarrazões ou nas alegações finais.
Muitas vezes, o pedido é feito de forma incidental, por meio de simples petição nos autos, destacando-se a infração cometida.
Já nos casos em que a parte deseja se precaver ou rebater a acusação de má-fé, é recomendável apresentar manifestação detalhada, rebatendo ponto a ponto os fundamentos da acusação.
E como os leitores do JusBlog estão acostumados, não terminaríamos esse artigo sem um modelo de petição de litigância de má-fé:
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE [CIDADE] – [UF]
Processo nº: ________
Autor: [NOME DO AUTOR]
Réu: [NOME DO RÉU]
[Nome do Advogado], advogado, inscrito na OAB/[UF] sob o nº ____, representando [NOME DO CLIENTE], já qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 77, 80 e 81 do CPC, requerer:
I – DOS FATOS
1. O Réu apresentou alegações manifestamente infundadas ao afirmar que “[descrição sucinta do fato falso]”, contrariando prova documental anexa (doc. 01).
2. Aduz, ainda, pedido temerário cujo único propósito é protelar o feito, conforme se depreende do histórico de incidentes nos autos.
II – DO DIREITO
3. O art. 80, II, do Novo CPC, tipifica como litigância de má‑fé “alterar a verdade dos fatos”.
4. Nos termos do art. 81, caput, merece aplicação de multa de até 10% sobre o valor da causa, além da condenação em perdas e danos e honorários advocatícios.
III – DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer:
- O recebimento e processamento desta petição;
- A condenação do Réu como litigante de má‑fé, com aplicação de multa de ___% (___ por cento) sobre o valor da causa;
- A condenação do Réu ao pagamento das perdas e danos apurados, bem como honorários advocatícios;
- A intimação do Réu para, em quinze dias, apresentar manifestação, sob pena de aplicação imediata da sanção.
Protesta por provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.
Termos em que,
Pede deferimento.
[Cidade], [Data].
______________________________
[Nome do Advogado]
OAB/[UF] nº ____
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